quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O eremita

No verão o dia começa um pouco mais cedo e a noite um pouco mais tarde. Por essa hora, quando o dia misturava-se com a noite, na minha passagem para casa vindo do meu primeiro emprego na adolescência eu via o meu velho amigo eremita, com quem eu conversava um pouco lhe ouvindo falar coisas sobre esse mundo mágico e por vezes intrigante ou assustador. Os seus cabelos já totalmente brancos, sua expressão serena e seu olhar perdido em algum lugar existente na sua memória o faziam respeitável. Ele trabalhava e morava numa pequena sala de um prédio antigo, sede de uma Instituição cultural no centro da cidade. Era um misto de zelador de dia e vigia de noite. Pacato e solitário, às vezes, fazia-me lembrar o fantasma da ópera, coisa que o fez sorrir – coisa rara, quando eu lhe falei.

Ele nunca falava de si mesmo, mas sempre sobre tudo que nos cerca por todo o planeta. Talvez por isso eu não tenha lembrança do seu nome. Ele mais parecia um ET, disfarçado de humano, vindo observar a terra. Comia muito poucas coisas, pouco andava pela cidade, mas sabia sobre tudo. Diariamente lia jornais e ouvia o seu velho rádio, colado com fita adesiva. A sua alimentação se reduzia a banana, amendoim, pão e café em pó - nunca o solúvel granulado, e água.

Enquanto conversávamos ele me servia do seu delicioso café. Ele era impregnado de cultura, um autodidata sequioso pela história universal. Lá no fundo ele parecia decepcionado com o mundo, desgostoso com os rumos tomado pelos povos, insatisfeito com o esvaziamento dos valores tradicionais da família e que, a seu ver, empobrecia a sociedade cada vez mais materialista...

Alberto Magalhães

Imagem: autoria não identificada/fonte: internet

3 comentários:

  1. Alberto,
    Uma leitora-blogueira de Vancouver (Canadá) camada Jo - e que também é pintora, leu seu conto O eremita (publicado abaixo*) que traduzi para o meu blog (brazilianperspective.blogspot.com*), e comentou:

    Jo disse...
    Oh, gosh, that's wonderful. I see lots of people like that here in Vancouver too. One wonders what sort of a story they have to tell. Often they are well-educated, or come from wealthy families, and they have a depth of knowledge. They are "old souls".
    ("Oh, meu Deus, que maravilhoso. Eu vejo várias pessoas como aquela aqui em Vancouver também. Se imagina que tipo de histórias eles tem para contar. Eles sempre são bem educados, ou vem de famílias abastadas e eles tem conhecimentos profundos. Eles são 'velhas almas'. ")
    O blog dela é http://majorityoftwo.blogspot.com/. No canto esquerdo há algumas das pinturas que ela faz ali. Ela é muito lida (cujos textos recebem diversos comentários! - será que a gente chega lá, hein?). Ela escreve sobre tudo e sempre 'me visita'.
    É a literatura sergipana tornando-se internacionalmente conhecida!
    Abraços,
    Marcos Vinicius Gomes
    (*Notas deste blog)
    2 comentários:

    Marcos Vinicius Gomes disse...
    Alberto,

    Os canadenses são conhecidos por serem "americanos light" ou seja, são mais abertos às diferenças de povos, culturas, de pensamento. Mas eles não são muito emotivos (mesmo na parte que é francesa) Quando ela disse, "Meu Deus, que maravilhoso", pode ter certeza que a mensagem do texto tocou sua sensibilidade verdadeiramente. Que força tem a literatura, não?
    1 de fevereiro de 2010 09:08

    Alberto Magalhães disse...
    Fico feliz, Marcos, que tenha sido assim. Eu tenho dois pequenos trabalhos que quando eu conseguir publicá-los certamente também vão agradar.

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  2. Duke Fandango disse...
    Bon Dia!

    A really interesting article, it's these little interactions that can shape perceptions in profound yet subtle ways.

    Thanks for posting...

    Fevereiro 15, 2010 5:00 PM


    Bom Dia!

    Um artigo realmente interessante, são estas pequenas interações que podem tornar as percepções profundas, ainda que de maneiras delicadas.

    Obrigado por postar...

    (Comentário nos enviado via e-mail por Marcos Vinicius Gomes, autor do brazilianperspective.blogspot.com, que republicou "O eremita")

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  3. Em tempo Duke Fandango é do Reino Unido. O seu comentário foi postado no brazilianperspective que republicou o texto "O eremita" em inglês.

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