terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Carta para Teófilo

Recentemente descobri que o Ser é algo fragmentado, existe em pedaços. Ouvi dizer: Freud explica. Em cada parte de mim um contraste. A criança que não completou sua fase de filho depois da ruptura familiar, o adolescente rebelde, o evangelizador que se comovia com os pobres e os leigos, o agente da lei (idealista e utópico) que enfrentava o malfeitor desvairadamente, o pai perdido entre a responsabilidade de instruir e o amor que lhe confundiam. O bêbado, por vezes. O contraventor. O "subversivo" que inflamava desafetos. A recaída de apaixonado pregador para alguns próximos. O escriba de textos guardados. O amigo que entendia todos os outros e nem sempre era entendido. Tudo junto em alguém, conturbando o senso de direção. Cada um de momento a momento emergindo, se revelando e querendo o seu quinhão, brigando por espaço. Exigindo se formar por inteiro, completar o seu ciclo. Pressionando o hospedeiro até fazê-lo, por um tempo, afastar-se de tudo e de todos.
Alguém, às vezes, já se achou em algum lugar sem saber para onde queria ir ou para quem? Como se quisesse voar pelo mundo a fora, sem fome, sede e sono até se desintegrar? Como ser um indivíduo sem uma unidade? Em vários pedaços que não se completam, mas se contrastam? No entanto tudo amadurece – nesse caso por diferentes sementes, e dá algum fruto, com contornos definidos. Só o tempo, o bom, edificante, revelador e velho tempo para harmonizar o ser e apaziguar todos os fogos, todas as mágoas e todas as culpas e assim desembaçar as nossas visões, sejam reais ou não.

Alberto Magalhães