segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Num momento*

O relógio na parede era antigo e empoeirado. Estava parado, imóvel. Como também imobilizara tudo à sua volta. A parede estava envelhecida e cansada do tempo que passara em pé, sustentando aquela tapera. Nela uma foto em preto e branco retratava uma época que não mais existia: pálida, triste, inerte. A vida se esvaíra por entre uns rasgos do papel.

A foto deles parecia um desenho imaginado por um pintor delirante. O vapor quente emanado impregnava o ar de solidão desoladora. Um vazio silente parecia se condensar e querer explodir em milhares de sons. Três besouros secos jaziam no chão, aos pés da parede. Um pote vermelho escuro no canto estava vazio, recoberto de poeira. Uma pedra, uma corda já desfiada e uma bainha de faca em couro habitavam o centro do recinto. E pareciam contar histórias de outrora. Um cabrito estivera amarrado naquela corda e um preá fora tratado com aquela faca...?

Os meus pensamentos logo ficaram conturbados por aquele burburinho que lá do abismo queria fluir, num turbilhão de vozes, relinchos de um cavalo magro, crepitar de madeira acesa no velho fogão no canto, choro de criança agarrando-se à saia da mãe... Lá fora um sol causticante devorava a superfície de toda matéria que tocava e ressequia as almas dos sobreviventes. Um bafo mais quente invadiu o recinto e despertou-me.

Aquele silencioso vazio, embora tão cheio de imagens, atravessava a janela e a porta que não mais existiam e se perdia no vazio silencioso de fora. O bafo quente que entrava me fez lembrar que alguma coisa viva existia naquele lugar.

Levantei-me do chão e saí, fui só. A minha alma lá ficaria desfalecida.


(*escritos da minha 1ª viagem ao sertão, 1980) 

Alberto Magalhães

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Epílogo

A violência constante nas cidades reflete, talvez, o desequilíbrio inconsciente do homem que não encontrou nos valores cultivados pela sociedade moderna um resultado benéfico para si.

O avanço admirável da tecnologia e a modernidade do Estado não trouxeram a paz social, as relações afetivas não se consolidaram plenamente com a liberalidade, a família não se solidificou com o aumento das religiões, a melhoria nas estruturas físicas das cidades não trouxe melhoria no campo pessoal. A humanidade está desiludida consigo mesma, com seus paradigmas. Não se acredita mais nos políticos e nos líderes religiosos como antes. Não se confia mais nos pais, professores, vizinhos...

As tantas formas de conflitos entre pessoas nas cidades e o suicídio em todos os países do mundo nos mostram o fracasso do homem em sua busca de bem estar pleno, de realização pessoal e familiar só nos governos humanos, nas Instituições criadas, nos prazeres imediatos...

Alcançamos um grande progresso científico, tecnológico, secular. Porém houve uma decadência do homem como ser espiritual. Tentamos abafar nossa própria consciência com tudo o que nos cerca de fácil e interessante sem nos importarmos com a perda dos melhores valores da vida. Tudo o que ocorre de ruim ao nosso redor é fruto disso.


Alberto Magalhães


Imagem: Manifestação na Praça da Paz Celestial/Fonte:Internet/autoria desconhecida.