segunda-feira, 24 de maio de 2010

Libelo do amor não correspondido

"Era um garoto que amava os Beatles" e Regina Duarte (a namoradinha do Brasil). Foi criado por um pai ausente e uma mãe não afetuosa - ela tinha mais outros filhos para criar - e era uma menino muito carente. Retraído e introspectivo desenvolveu uma personalidade com baixa autoestima, insegura e arredia.
Com essas características ele chegou à adolescência sem saber interagir satisfatoriamente com os outros do seu meio, principalmente com as garotas. Quando ele se interessava por alguma e, com muita limitação se aproximava dela, não conseguia construir laços afetivos e era, nesse sentido, rejeitado. Essa experiência negativa atingiu de forma contundente a sua personalidade, já fragilizada, deixando uma marca profunda na sua alma.
Com o passar do tempo, já na fase adulta, ele conseguiu superar as suas dificuldades psicológicas no campo da sociabilidade inserindo nesse bojo a afetividade e a natural arte da sedução, após anos se preparando para isso. Para tanto observou, acompanhou os relacionamentos amorosos das pessoas próximas e construiu uma ideia própria a respeito das necessidades humanas nessa seara e das técnicas da conquista do amor e passou a praticá-las. No entanto, o que fluía de si não era algo inerente à sua pessoa, era uma habilidade adquirida, uma especialização na arte da conquista - nascida da necessidade de ser correspondido na sua busca de amor - e não uma peculiaridade natural, intrínseca dele.
Com essa nova disposição e preparo de espírito ele passou a ter acesso ao coração das pessoas. Agora ele sabia em quem chegar, quando e como. Desenvolveu, pelo lado inverso, a arte da sedução e da conquista. Fazia o que as mulheres esperavam que ele fizesse, dizia o que elas precisavam ouvir e recheava os contatos com alguns recursos culturais que dispunha e que eram agradáveis às pessoas comuns. Mas tudo fazia com convicção e firmeza. Para tanto envolvia-se plenamente naquilo que vivia ao ponto de tornar real - pelo menos por algum tempo - tudo o que se exigia no relacionamento que se iniciava. Assim, irremediavelmente e completamente, as seduzia.
Porém um lado negro se desenvolveu à sombra disso. O passado iria cobrar a sua parte na história. O coração que ele seduzia passou a ser não simplesmente a conquista do amor, era também a conquista de um território antes intransponível, desejado até a linha do ódio, era uma batalha vencida contra o inimigo que confundia-se entre a sua própria deficiência e a pessoa desejada. Tornando-a, de certa forma, o inimigo do seu ego a ser dominado para curar a sua frustração, aliviar o seu coração ferido e satisfazer os seus desejos afetivos e sexuais. Isso tornou-se um vício.
Para essas pessoas ele ia se revelando uma personalidade enigmática: oscilava entre carinhoso e arrogante, romântico e possessivo, protetor (controlador) e indiferente, apaixonado e aparentemente infiel... O que, de alguma forma, as atraia mais ainda visto que ele alcançava e preenchia o coração de quem estava carente de alguém que não fosse superficial afetivamente, o que definitivamente ele não era, vez que era impregnado de paixões antigas não correspondidas que precisava vivê-las ( e inconscientemente as revivia como forma de libertação espiritual) no espírito e no corpo de quem quer que fosse, que lhe atraísse.
Para ele a aproximação, sedução e a conquista despertava em seu ser sentimentos desencontrados: hora a realização de um desejo natural e saudável, a superação da sua antiga deficiência, hora apenas a subjugação daquilo que se apresentava um obstáculo ao seu sentimento de ser aceito e querido, hora a revanche revigoradora de ter o domínio da arte de seduzir a quem lhe interessava, como alvo daquele jogo da sedução e conquista, e que antes lhe evitava. O prazer que lhe causava uma conquista, aumentava quando em seguida ele a tornava substituível por outra que começava a prosperar. A realização de uma conquista era o combustível que o animava a prosseguir em nova conquista. Primeiro porque fazia daquele alvo, antes inalcançável, um objeto inferior a si, algo subserviente aos seus caprichos, quando antes tinha sido o oposto. Também não queria correr o risco de voltar a ser rejeitado ao se apegar em demasia.
O "doce sofrimento", como dizia, de quem amava alguém que lhe desejou e o abandonou era muito menor que o de alguém que não chegou a ser desejado por quem tanto desejou. Para ele quem teve um amor pra viver e sofrer era um feliz vitorioso sobre quem não viveu amor nenhum. E assim ele seguiu amando, sendo amado e depois negando esse amor em busca de outros. Até encontrar um que consiga lhe redimir e traga a paz, não paixão. Essa o adoeceu.


Alberto Magalhães