quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Mensagem para Teófilo

(sobre um júri popular e um veemente Promotor)


Teófilo, da última vez em que nos vimos tu, pausadamente, disseste-me citando Sêneca: “Somos todos perversos, o que um reprova no outro ele o achará em seu próprio peito.” E discorrestes sobre a fragilidade do homem no seu aspecto moral. No seu discurso havia o sentimento de pesar pela comovente condição humana. Em sua pungente oração, referindo-se aos que se julgam superiores no afã de infringir desmedida penitência a quem lhe está a mercê, disseste-me: “A árvore quando está sendo cortada observa, com tristeza, que o cabo do machado é de madeira.”

Alguns dias depois da tua visita no meu cárcere. Tive a oportunidade de visualizar uma arena jurídica onde tese e antítese digladiavam-se. E era necessário. Uma parte evocava uma vida que se perdera e a outra parte uma vida que se perdia, momento em que absorveu a outra. É desse embate jurídico – quando leal – que se compõe a síntese, que nutre o Estado de direito, alma sublime da democracia.

Lá, fascinei-me com a performance de um homem de leis do qual o seu mestre, amigo Teófilo, pode ter sido um simples aluno. O seu arrebatamento monopolizava os sentidos, em seu ardor parecia personificar as ciências. Mas, como ninguém é perfeito, só incorreu no pecado - por um momento – da linguagem densa como as águas do rio Estige da mitologia grega. Talvez tenha se deixado levar pelo orgulho, “seduzido por uma razão”. Lembro-me de Charbonneau, que lemos juntos: “A razão humana é oscilante, é bela e ao mesmo tempo perniciosa, porque tem o privilégio de enganar, de mentir, de iludir, de fazer o homem se perder no Dédalo de uma consciência falsa. Ela balança entre a revelação e o disfarce”.

No entanto depois vi no orador uma sanha niilista direcionada à personalidade da pessoa alvo, cético quanto a sequer um vislumbre de qualidade moral nela – uma impropriedade, a meu ver. Era quase um ser divino querendo oferecer-lhe uma catarse. Confesso-te, amigo: temi um pouco por ela. Pensei: “Vai subjugá-la com tamanha obstinação.”

Mas, felizmente, convenceu a quem queria não a quem realmente importava: a pessoa alvo. Se tivesse conseguido confundi-la, ai sim, teria conseguido imprimir a sua marca estigmatizadora de forma permanente. Não de modo formal, na efemeridade das palavras ou nos anos perecíveis da sentença, mas na perenidade da alma. Para o infeliz que estava na berlinda ele teria sido um verdugo espiritual, quem sabe até desses que, no fórum da sua consciência, já tenha condenado a si próprio.

Teófilo, eu li que as muitas letras, às vezes, nos fazem delirar e eu como sou apenas um leigo cansei-me um pouco de tudo isso, até mesmo – perdoe-me, de ti. Por isso vou preferir o confinamento de simples oblato e, nessa busca de uma razão para os meus insignificantes dias, recitar o poeta Agostinho: “Senhor, Tu nos fizestes para Ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar, em Ti, descanso.”

Alberto Magalhães

Tribunal do Júri, em Aracaju-SE/escrito em 1995 e publicado no Jornal Cinform em setembro de 1996/
Teófilo: um amigo imaginário/tese e antítese: acusação e defesa/Estige: o rio do inferno, na mitologia grega/ Sanha niilista: defesa da teoria da negação, de forma ferrenha/verdugo: carrasco/Paul Eugène Charbonneau: teólogo e escritor canadense/catarse: purgação, purificação/oblato: leigo que oferecia seus serviços a uma ordem religiosa/o homem de leis: Promotor de Justiça. (anotações feitas a pedido de leitor)

Imagem: autoria não identificada/fonte: internet

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