domingo, 3 de setembro de 2017

O ritual da vida, da morte e do amor

Não exaltei qualidades dos finados nem contei histórias sobre eles naqueles momentos de pesar. A minha lágrima ou simples expressão de tristeza, me foram bastante. O silêncio é a maior expressão de pesar e respeito por aquele que nada mais ouve nem vê. Um abraço confortador no que sofre e a presença em homenagem ao que parte é elementar no ritual do sepultamento. Naquele ato, falar em qualidades é exaltar os defeitos (o jornalismo está livre disso). Quem morre torna-se apenas um corpo e não é pela sua vida ou por seus feitos que se está ali, mas pela sua morte, pelo seu fim nesse nosso plano. E não há glória espiritual na morte. Exceção foi a de Cristo, que não morreu por seu parente, por sua própria honra, por seu país... Ele morreu pela paz de todos e por amor a todos. E não foi vencido por ela, mas subjugou a morte.

Um minuto, uma hora, um dia de silêncio é essencial e retrata bem o espanto e o pesar pela morte de alguém querido. Porque a morte é o vazio pleno, a ausência real, a perda absoluta, a separação completa... poderia o enlutado, naquele momento, diante da morte, se rir de todos os viventes, não fosse a dor inteira que sente. A tragédia sempre foi mais forte que a comédia. Vemos isso nos eruditos gregos, em Dante e em Shakespeare. Pois a morte é a cessação de todas as glórias, sonhos e aspirações nesse mundo de expiação e catarse. Contudo os vivos se iludem com a vida, esse sopro que se esvai por banal motivo. Temer a morte é ter medo do inevitável. A poetisa Nádia F. M. de Amorim escreveu: “Minha morte nasceu quando eu nasci/Despertou, me enlaçou, cresceu comigo/E dançamos de roda ao luar amigo/na pequenina rua em que vivi”.

Usando parte do poema Rima de Seféris poder-se-ia descrever o ápice do sentimento da perda de alguém muito importante: “É esta a hora em que sufoca a tarde/E eu me afadigo a procurar as trevas...” Do último que sepultei, disse aos seus parentes: “era meu amigo”. Mas ser amigo não é qualidade, é opção. A gente escolhe de quem ser amigo. Não lhes disse do pai amoroso que ele era. Se fosse necessário dizer isso a seus filhos é porque eu havia me enganado. O nosso amor mais profundo está nisso: nos filhos porque escolhemos tê-los e nos pais porque escolheram nos ter. Mas, amor sublime está no de Cristo, sobre o qual alguém muito bem escreveu: “Jesus, para entender o seu amor basta entender que as flores não vão nascer sem que exista uma semente para oferecer a sua própria vida, morrendo e gerando outras vidas, como tu fizeste”...

Alberto Magalhães