sexta-feira, 16 de julho de 2010

Essências

A casa estava silenciosa naquele finalzinho de tarde, só havia uma lâmpada acesa na sala principal iluminando fracamente o quarto onde eu estava. Os lençóis da cama onde eu havia deitado estavam frescos, proveniente do vento frio que entrava pela janela lateral aberta. Ela, quieta, me aquecia com o seu abraço suave. A TV que, à minha frente, estava desligada não incomodava a penumbra e a paz daquele silêncio. Nenhum som ecoava pelas paredes do recinto. Pela porta aberta eu observava parte da sala e do corredor que dava acesso ao interior da casa. A TV naquela circunstância deixara de ser o eletrodoméstico centro das atenções e tornava-se apenas um móvel imóvel, escuro, sem utilidade a não ser a de revelar que ao apagar-se o palco midiático, sonoro, ilusionista, fazia emergirem da escuridão e “se apresentarem” os outros móveis ocultados na rotina extenuante dos dias passados; as paredes, portas, quadros, objetos que todos os dias me acolhiam e se tornavam um porto seguro. As presenças, que andavam, brincavam, sorriam, comiam, pegavam nas coisas, estavam – todas - sem som. Não olhavam pra mim, não me notavam, não me viam. E eu ali, pertinho, contemplando-os com um espanto nos meus olhos, extasiado de alegria por enxergá-los e tristeza por não podermos interagir. Fechei os olhos, o silêncio ficou muito denso. Calmamente abri os olhos. Além da companheira que já dormia, dos móveis distribuídos pelos cômodos da casa e um gato preguiçoso que dormia no canto do sofá, não havia presença física na casa, só a essência deixada pelos meus filhos que a ocuparam até o dia anterior, antes de viajarem.

Janeiro de 2005

Alberto Magalhães

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